terça-feira, 9 de março de 2010

No momento em que estacionamos nossas bicicletas em frente de casa, meu irmão e eu olhamos para cima e vimos a mesma coisa. Lá estava ele - com seus olhos implacáveis, olhando direto para nós. Sem falarmos nada, nós doi sabíamos que estávamos em uma grande encrenca...novamanete.
Quamdo criança, eu detestava morar naquela casa de esquina. Não que nossa casa não fosse bonita. Mas morar na esquina significava que a luz da rua iluminava diretamente nosso quintal.
" Esteja em casa antes que a luz da rua se acenda" Era a lei de ferro. Não se aceitavam desculpas. Na escala de uma de uma pessoa severa, meu avô teria ocupado o ponto extremo e ele vivia estritamente dentro dos regulamentos. Tudo o que ele tinha de fazer era olhar pela janela e ver se tínhamos chegado em tempo. E uma vez mais, nós não tínhamos.
Sei que para os pais de hoje o assunto bater nos filhos é contravertido. Mas quando eu era pequena, não havia a menor dúvida. Meu avô tinha vindo morar conosco para ajudar mamãe a criar cinco saudáveis crianças sem a ajuda do pai, e ele acreditava incondicionalmente em surras. E em seu livro de regulamentos, chegar atrasado para o jantar equivalia a um castigo de duas violentas cintadas.
Meu avô compartilhava uma série de características. Ele tinha a tendência a ser reservado em seus relacionamentos escondendo dos outros suas emoções. Detalhista, cauteloso e gostava de analiar todos os ângulos de uma questão.
Nos meus tempos de adolescência, eu via seu apego a regras e seu temperamento fechado como características negativas de personalidade. Frenqüentimente interpretava sua tendência a ser quieto e pensativo como frieza e distância. Mas pelo menos você poderia ter sempre a certeza das suas reações. Ele era totalmente previsível quanto a suas ações, emoções e atitudes.
Foi por isso que, enquanto me dirigia toda encolhida para o quarto do vovô, eu sabia exatamente o que iria acontecer: duas cintadas com a cinta que ele sempre deixava pindurada atrá da porta do seu quarto. Mal sabia eu que a época mais abençoada de minha vida estaria ligada à aquele mesmo homem.

Depois de ter apanhado, minha mãe disse para eu voltar lá e chamas vovô para o jantar. Claro que eu não tinha a mínima vontade de falar com ele, mas também não queria arriscar outra surra. Assim, lá fui eu até seu quarto novamente.
Muitas crianças estão acostumadas a chamar seus avôs de "vô", ou de algum apelido carinhoso. Não nós. Havia regras de respeito a serem observadas em nosso lar, e nós o chamávamos cerimoniosamente de "vovô" ou "senhor".
Além disso, era uma ofensa equivalente a duas cintadas entrar em seu quarto sem antes bater educadamente e esperar do lado de fora até ter a permissão para entrar.
Eu ia bater quando percebi que a porta estaca entreaberta. Foi assim que quebrei o regulamento, empurrei a porta devagarinho e olhei para dentro do quarto.
O que vi deixou-me pertubada. Meu avô, um homem que raramente deixava transparecer as emoções, estava de joelhos, chorando aos pés da cama. Fiquei parada à porta, confusa, sem saber o que dizer. Então ele ergueu os olhos e me viu, e eu fiquei lá, petrificada. Eu não tinha a  menor idéia do que me esperava quando ele falou comigo.
- Venha cá - disse ele, com voz emocionada.
Me aproximei-me dele,  na certeza de que ia ser disciplinada por não ter batido à porta. Mas ao invés de surrar-me, ele levantou-se e tomou-me em seus braços.
Vovô abraçou-me fortemente, e em lágrimas disse-me o quanto amava a cada um de nós e o quanto lhe doía ter de nos dar surras. Eu não tinha a menor idéia porque ele ficava em seus quarto algum tempo depois de nos surrar. Agora eu descobrira. Ele ficava a sós por uns momemtos, algumas vezes chorando, mas sempre orando para que na idade adulta chegássemos a ser as pessoas que Deus desejava.
- Disse-me ele - sentando-me na cama ao seu lado e pondo seus longos braços no meu ombro, o que eu mais quero nesta vida é que vocês se torne jovens íntegros, tenho feito tudo o que eu posso para ajudá-los a saber o que é certo, e para encorajá-los a viver segundo os preceitos de Deus. Não estarei aqui para sempre para lembrá-los destas coisas. Além disso, vocês estão crescendo. Espero que saibam o quanto eu os amo, como tenho orgulho de vocês, e o quanto oro por vocês. Sei que procurarão a ser a pessoa que Deus deseja durante toda a vida.
Não sei explicar, mas o fato é que quando deixei seu quarto naquela noite, eu era uma pessoa diferente. Hoje, quando olho para trás, vejo aquela noite como um significativo ritual de passagem da infância para a idade adulta. Pelos ano que se seguiram, lembrar aquela cena do amor de meu avô por nós ajudou-me a dar forma às minhas atitudes e ações.
 Poucos meses depois, naquele mesmo quarto, vovô morreu instantânea e inesperadamente. Agradeço a Deus por não ter voltado para casa antes que a luz da esquina se acendesse. Sei agora que o Senhor permitiu-me vivenciar um tempo abençoado com o homem mais importante de minha infância.

Como outras pessoas que conheci e conheço, meu avô era reservado, cauteloso e controlado no que se referia a demonstrar emoções e afeições. Ele era também de poucos elogios. Mas naquela noite, senti como que se o véu tivesse sido levantado. Pude ver o lado ternura de seu coração como nunca vira antes. Ele deixou de lado suas respostas estruturadas e sentimentos represados em um ato espontâneo de emoção, e aquilo causou um grande impacto em minha vida.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Amizade.


No mundo antigo, em  especial o greco-romano, não acreditava nos ideias abstratos, distantes e irrealizáveis. Suspeitava dos fanatismos. Desconfiava dos excessos sentimentais. Por isso dava tanta importância à amizade. Porque, na amizade, a distância entre ideal e real precisa ser curta. Na amizade não podemos alardear uma coisa e fazer outra. Na amizade os pactos têm que ser respeitados, a confiança merecida. A amizade precisa ser leal, sincera, límpida. O amigo precisa querer o bem do amigo e não por palavras, mas concretamente. Deve estar presente no momento da necessidade. Quem é beneficiado não deve nem aproveitar-se disso, nem aborrecer com agradecimentos. Na amizade não se pode enganar, não se pode prejudicar. Nunca, nem mesmo uma vez. Na amizade é preciso saber ver a virtude do outro e valorizar-la. O amigo precisa ser aberto, cheio de vida, divertido. Não deve aborrecer, não deve chatear. Um amigo não deve nem mesmo ser generoso demais, encher de presentes , porque, com isso, desperta a necessidade de retribuir, cria deveres de gratidão que são excessivamente pesados. A amizade deve ser fresca, leve, mesmo quando é heróica.  A amizade diz sempre, mesmo diante da morte: "não há de quê". Estes são os ideais da amizade. Não pede para dar tudo, para beijar os leprosos, para mentir num tribunal. Não pede nem mesmo para viver   debaixo do mesmo teto. Mas o que pede, exige. E, se não lhe for dado, julga e condena. Uma vez condenado, muito dificilmente perdoa. Não chantageia. Simplesmente esvaece. Se o ideal não é realizado, a amizade desaparece. Provavelmente, não há nenhuma relação humana em que o real precise estar sempre tão próximo  do ideal. É a relação que menos suporta o exagero e o falatório. Entendemos, então, por que a amizade parece tão frágil, e porque há tanta gente que se diz desiludida com a amizade. Estes a confundiram com alguma outra coisa, não quiseram ficar nas regras do jogo. Também aqueles que dizem que a amizade existia na antiguidade e desapareceu no mundo moderno se enganam. A amizade existia na época de Confúcio e existe hoje. Não há nenhum motivo para pensar que deva desaparecer no futuro. A amizade é apenas um modelo ideal que pede para ser respeitado. Enquanto o percorremos, o mundo se enche de amigos e estes, ao ver-nos, sorriem para nós.

P.S:  Esta ponte na imagem, é a Ponte da Amizade de Macau.